Espeleólogos e professores da PUC Minas resgatam preguiça-gigante

Espeleólogos e professores da PUC Minas resgatam preguiça-gigante

Por Caio Pacheco, Pains (MG)*

Uma raridade da megafauna que viveu na chamada “Era do Gelo” está devidamente guardada no Museu de Ciências Naturais da PUC Minas, em Belo Horizonte. Trata-se de  uma preguiça-gigante extinta da família Scelidotheriinae, de aproximadamente 2,5 m comprimento. O resgate dos fósseis foi feito pelos professores e pesquisadores  Bruno Kraemer, Luiz Eduardo Panisset Travassos e Bruno Durão, todos da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Os fósseis foram localizados na Gruta João Lemos, localizada em Pains, município da região centro-oeste do estado. Kraemer, Travassos e Durão integram o Departamento de Geografia do Instituto de Ciências Humanas da PUC Minas.

Preguiça-gigante localizada na caverna João Lemos, em Pains (Prof. Luiz Travassos/PUC Minas)

“O primeiro achado da espécie foi realizado por Peter Wilhelm Lund que lhe deu o nome científico”, certifica o paleontólogo Bruno Kraemer. “A preguiça é um indivíduo que tem correspondência em outro achado que já se encontra em exposição no Museu da PUC, achado esse ocorrido na Bahia na década de 1980 pelo professor Cástor Cartelle Guerra, que se manifestará à imprensa quando a preguiça lá estiver tombada”, completa.

A preguiça-gigante encontrada em Pains viveu no Período Pleistoceno, conhecido como a “Era do Gelo”, época geológica que durou de 2,5 milhões a 11.700 anos atrás. Trata-se de um mamífero da Superordem dos Xenartros (tatús, tamanduás e Preguiças) que teria hábito terrícola com caminhar pedolateral, apoiando-se na parte lateral dos pés.

“Sua alimentação seria herbívora graminívora (comia gramas) complementando com tubérculos. Seria capaz de escavar o solo com suas alongadas garras para procurar alimentos e fazer tocas”, afirma Bruno Kraemer.

Professor e pesquisador Bruno Kraemer na expedição de resgate de fósseis na caverna João Lemos, em Pais

Para sobreviver em condições adequadas, a preguiça-gigante da família Scelidotheriinae cavavam túneis e câmaras subterrâneas onde se abrigariam em climas adversos ou para procriar. Outro aspecto inerente a essa espécie é que “viviam num ambiente de savana intertropical (cerrado) com manchas de matas de galerias, onde poderiam obter alimentos ricos em águas e nutrientes, como frutas e também beberem água. Mas predominantemente eram pastadores de campo aberto”, assegura Bruno Kraemer.

Ambiente favorável – Durante as pesquisas desenvolvidas pelos pesquisadores Luiz Travassos e Bruno Kraemer ficou evidente que em Pains a conservação dos fósseis em cavernas é favorecida pelo ph básico do calcário que se dissolve na água, vindo a percolar as estruturas esqueléticas dos ossos depositados pelas enxurradas ou por morte in loco.

“A descoberta atual tem relevância local e regional, dado que na região cárstica de Pains não se deram achados fósseis além do mastodonte  na década de 1990. Esse é o novo “achado” que derruba o mito de que tal região não tem registros de megafauna expressivos além do mastodonte”, asseguram os pesquisadores Travassos e Kraemer.

Agenor Nativo avalia fóssil encontrado da preguiça-gigante de Pains

De acordo com os pesquisadores da PUC Minas, há outros registros fósseis do período Quaternário que foram encontrados durante a conclusão do curso de Formação de Espeleolólogos da Escola Brasileira de Espeleologia (eBRe), sob a coordenação da Dra. Mariana Timo Barbosa. Para Luiz Travassos e Bruno Kraemer,  a maior parte dos achados fósseis associados aos depósitos de cavernas em Minas Gerais concentra-se no Carste de Lagoa Santa, mas a região Cárstica do Alto São Francisco apresenta grande potencial para a preservação de fósseis quaternários, destacam.

Luiz Eduardo Panisset Travassos, professor e pesquisador da PUC Minas, examina fósseis da preguiça-gigante no Laboratório de Geografia em Belo Horizonte (Caio Pacheco)

Contexto histórico – Em Pains, os primeiros registros fósseis nas cavernas foram mencionados pelo naturalista alemão Wilhelm Ludwig von Eschwege. Durante sua visita à atual Gruta da Cazanga, em 1816, ele observou a presença de ossadas fósseis no conglomerado da gruta. Destacou a ocorrência de numerosos ossos perfeitamente conservados, provavelmente pertencentes a animais que buscavam refúgio na caverna ou predavam sua presa, descreveu von Eschwege. Também na região de Pains foi encontrada uma dezena de fósseis que estão depositados na Coleção Paleontológica do Museu de Ciências Naturais PUC Minas.

Representação artística da preguiça-gigante encontrada em Pains, na caverna João Lemos (PUC Minas)

Os trabalhos de escavação, identificação das peças fósseis e a remoção do material para o laboratório do Museu de Ciências Naturais da PUC Minas levarão uma semana nessa etapa final. “A caverna pesquisada apresenta-se marcada por processos deposicionais, sendo possível observar ainda alguns setores colmatados pela sedimentação detrítica e química formando pisos recentes e paleopisos”, afirma Kraemer. “Neles podem ser evidenciados diferentes estágios da dinâmica evolutiva da caverna. Além do piso, também foram registrados blocos gerando acúmulo sedimentar que cria passagens estreitas e irregulares”, descreve o pesquisador.

Mergulho no passado – As cavernas têm, há muito tempo, se destacado como excelentes locais para a existência e a preservação de material paleontológico, salienta o professor Luiz Travassos. O pesquisador da PUC Minas ressalta que “desde o trabalho pioneiro do naturalista dinamarquês Peter Wilhelm Lund, o “pai” da paleontologia brasileira, na primeira metade do século XIX, as cavernas têm fornecido importantes registros fossilíferos, os quais têm formado a base das pesquisas sobre a paleontologia de vertebrados do Quaternário brasileiro”, esclarece.

“Hoje temos a clara compreensão das cavernas com depósitos fossilíferos de forma frequente em diversas regiões brasileiras, dentre as quais identificamos Lagoa Santa (Minas Gerais), São Raimundo Nonato (Piauí),  região central da Bahia, região do Vale do Ribeira (São Paulo) e na região de Bonito (Mato Grosso do Sul)”, pontua Luiz Travassos.

Segundo os pesquisadores da PUC Minas, nesses sítios jazem ossadas de animais como preguiças-gigantes (Megatérios), toxodontes (Ungulados primitivos), mastodontes (Proboscídeos), macrauquênias (Litopternos), gliptodontes e tatus-gigantes (Cingulados), tigres dentes-de-sabres (Felídeos) e paleolhamas (Lamíneos). “Tais animais são usualmente denominados como “Megafauna sulamericana” em decorrência de seu tamanho e peso, por estarem associados ao bioma Cerrado e por serem extintos”, acrescenta Kraemer.

“Devido à sua extensão territorial e a presença de ambientes sedimentares propícios para a preservação de fósseis, Minas Gerais se destaca com um amplo registro paleontológico, tanto do ponto de vista temporal quanto espacial”, observa Luiz Travassos. “Minas também possui uma posição de destaque por ter sido o local onde o naturalista dinamarquês Peter Lund, iniciou na primeira metade do século XIX a pesquisa paleontológica no Brasil. Seu legado inclui a descrição de diversas espécies de mamíferos do período Quaternário (que abrange os últimos 2,5 milhões de anos) coletadas em grutas calcárias ao longo da bacia do Rio das Velhas e até então desconhecidas da ciência”, conclui.

O conhecimento em relação à megafauna brasileira motivou a pesquisa na região cárstica de Pains, no domínio da bacia do rio São Miguel, localizada no Craton do São Francisco, mais precisamente, na região do Carste do Alto São Francisco, informa o professor Kraemer. “Do ponto de vista físico, o relevo da região cárstica de Pains é representado por um conjunto de formas geradas principalmente pela dissolução da rocha calcária que resultou em uma paisagem peculiar e de grande beleza cênica”, inicia.

Por outro lado, diversos cientistas têm destacado a fragilidade da região, sendo relevante mencionar o trabalho realizado pelos pesquisadores Teixeira e Dias, em 2003. “ Este estudo ressalta a presença de 753 cavernas, um considerável número de dolinas, diversos sítios arqueológicos e paleontológicos, além de uma notável diversidade na fauna cavernícola e uma complexidade hídrica subterrânea significativa”, destaca o professor Kraemer. “Tanto Teixeira quanto Dias ressaltaram em seus estudos é a urgência de uma gestão ambiental eficaz na área, visando evitar que a degradação desse distrito espeleológico crucial alcance níveis irreparáveis.”

Em comum, Luiz Travassos e Bruno Kraemer compartilham de uma grande preocupação, qual seja, a destruição de cavernas, a extinção da fauna cavernícola e a degradação de sítios arqueológicos e paleontológicos. “Parte da vegetação remanescente e algumas dolinas já foram ou estão sendo soterradas, e cursos d’água subterrâneos estão sendo assoreados, resultando na alteração das áreas alagadas durante o período chuvoso”, finaliza Kraemer.

  • O jornalista Caio Pacheco viajou a Pains a convite dos professores da PUC Minas

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