PELO MUNDO : MARCO PIQUINI

PELO MUNDO : MARCO PIQUINI

Biografia

Marco Piquini nasceu em São Bernardo do Campo (SP), em 1957. Seu pai e sua mãe eram de famílias italianas de segunda e terceira gerações. Teve infância comum de classe média. Estudou em escolas públicas até o antigo ginásio e formou-se em Jornalismo pela Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP), curso que escolheu porque “escrever era o que eu fazia de melhor”, segundo ele mesmo explica. Trabalhou em jornais da região do ABC paulista na época das greves dos metalúrgicos e, em 1985, decidiu vender tudo o que tinha para, junto com sua mulher, a também jornalista Vânia Coimbra, mudar-se para a Europa. “O motivo era a aventura”, ele conta.

Moraram primeiro em Pais e depois em Londres, onde trabalharam em dupla. Ele escrevia e ela fotografava, enviando matérias para diversos jornais e revistas, especialmente sobre carros. Em 1989, Piquini foi comissionado pelo The Economist Intelligence Unit para escrever um relatório especial sore a indústria automobilística da América Latina. Em 1990, Pedro, o primeiro filho do casal, nasceu em Londres. Em 1992 a família retornou ao Brasil, às vésperas do impeachment do presidente Collor. No dia seguinte à chegada a São Paulo, Piquini foi admitido como repórter do Estadão.


Marco Piquini, diretor da Iveco Latin America.

Em 1994, foi contratado pela Renault e, seis meses depois, pela Fiat Automóveis. Foi assessor de imprensa econômica em São Paulo e, em 1998, ano em que sua filha Marina nasceu, mudou-se para Belo Horizonte como gerente de Comunicação da Fiat do Brasil. No total, foram quase 20 anos de Grupo Fiat, incluindo seis anos como Diretor de Comunicação da Iveco Latin America, período em que passou a frequentar Sete Lagoas, por conta da fábrica de caminhões da marca na cidade. Nessa função, estabeleceu profunda ligação com a cidade, sendo responsável pelo evento “Literata”, organizado em três edições (2010, 211 e 2012).

Quando deixou a Fiat, decidiu permanecer em Minas. Mora em Nova Lima. “Gosto da qualidade de vida que encontramos aqui”, diz ele. Há oito anos dirige a PIQUINI Comunicação Estratégica, que fundou com sua mulher em Belo Horizonte.

Perguntas

Qual é o olhar de um brasileiro, nascido em São Bernardo do Campo e neto de italianos, sobre o mundo em que vivemos?

Um mundo que passa por uma revolução tecnológica, econômica e social. Para onde quer que a gente olhe, nossas verdades estão sendo confrontadas de maneira bastante direta. Mudanças são sempre acompanhadas de incertezas e instabilidade. Não sabemos ainda onde tudo isso vai nos levar. Parte da sociedade encara esses novos desafios com otimismo. Enquanto isso, muitas pessoas perdem empregos, perdem autoridade, perdem seu “chão”. Os problemas são complicados e as respostas não são facilmente articuladas. Isso gera ansiedade. Gera medo. Em situações assim, pessoas buscam refúgio em qualquer coisa a que possam se agarrar, algo que lhes tragam conforto ou apoio. Isso abre espaço para a demagogia, a desinformação e explica a profusão de teorias da conspiração, o terraplanismo, o movimento contra as vacinas, barbaridades como essas. Precisamos de equilíbrio, mas isso significa processar a complexidade do momento, diálogo, compromissos. As pessoas parecem não estar dispostas a fazer esse esforço. A polarização que vemos nas redes sociais é um reflexo da soma desses medos.

Baseado em sua experiência de vida e na diversidade cultural das sociedades que conhece,  como interpreta o modo de vida dos brasileiros?

Morei sete anos em Londres, mas viajei bastante pela Europa, especialmente França e Itália. O que vi e experimentei por lá são sociedades de instituições mais fortes, onde a democracia significa não só o direito ao voto, mas a valorização do cidadão, a realidade das liberdades democráticas, um uso mais decente dos recursos públicos. Sem falar em respeito cívico. Pense nas faixas de pedestre por exemplo. Mas essas sociedades hoje enfrentam problemas como a chegada de imigrantes de culturas muito diferentes e hoje existe muita tensão. É um drama em desenvolvimento.

Comparativamente, acredito que nós brasileiros ainda estamos longe de um sentimento cívico. Acho que ainda nos falta uma consciência como povo e nação. Uma visão do que fazer com nós mesmos. Olhamos muito para o presente, para o ganho imediato. Consideramos pouco o nosso passado, não damos valor à nossa própria experiência. Contamos demais com a sorte, o acaso. Não valorizamos os recursos abundantes que temos (água, florestas, minérios, tudo). Desperdiçamos muito. Temos um certo desprezo pelo planejamento e profissionalismo. E existem muitas feridas abertas, como o racismo estrutural, que agora começa a florar.

Em sua vivência na Europa, quais momentos culturais e turísticos que mais lhe marcaram?

Quando morava lá, tinha poucos recursos para consumir cultura em larga escala. Mas tive uma experiência reveladora no museus, que são espetaculares. A TV inglesa tem muita porcaria, mas, em alguns aspectos, foi para mim uma universidade. A qualidade e profundidade de alguns programas são inimagináveis no Brasil. E o apreço dos europeus por sua história foi uma lição de vida. A conservação urbana e rural, com grande ordem e beleza, passa uma forte noção do que poderia ser chamado de “patrimônio nacional”. Dá para perceber que é um trabalho de gerações. Nem mesmo as guerras conseguiram destruir essa unidade visual que dá tanta identidade aos países e a seus povos. Isso valoriza a vida de cada indivíduo.

Trabalhei muito em restaurantes para ganhar a vida no início de minha vida por lá. E um dos maiores choques de realidade veio da convivência, nesses trabalhos, com imigrantes do leste europeu antes da queda do Muro de Berlin (1989). Descobri, entre esses amigos, a vida desesperada que tinham em seus países de origem, a falta de horizontes e expectativas. Eram boas pessoas, mas com carências materiais e espirituais enormes. Foi uma descoberta de dois mundos muito diferentes, um dos quais muito desesperançado. Mudou muito nesses últimos anos. Estive várias vezes na Europa nesses últimos anos e parece-me que essa “divisão” está diminuindo.

Sua trajetória como jornalista permite ver aspectos culturais com uma percepção mais ampla, profunda?

Minha vida profissional me ajudou a conhecer o mundo. Primeiro como jornalista, depois como executivo de multinacional, pude viajar muito e conhecer muitos lugares e pessoas diferentes. Mas também tive a oportunidade de conhecer um “lado B” da vida. No começo de minha estada na Europa trabalhei muito em restaurantes para ganhar a vida. Um dos maiores choques de realidade que experimentei veio da convivência, nesses trabalhos, com imigrantes do leste europeu antes da queda do Muro de Berlin (1989). Descobri, entre esses amigos, a vida desesperada que tinham em seus países de origem, a falta de horizontes e expectativas. Eram boas pessoas, mas com carências materiais e espirituais enormes. Foi uma descoberta de dois mundos muito diferentes, um dos quais muito desesperançado.

Ao mesmo tempo, exerci por lá minha profissão, como jornalista. E essa variedade de horizontes ajudou a compor uma visão plural que me serviu, antes de tudo, para me posicionar como pessoa e como brasileiro diante do mundo. Percebi que nós não somos, do ponto de vista humano, diferentes dos europeus. Somos iguais em essência: temos os mesmos medos e os mesmos desejos, somos iguais nos pecados capitais e nas virtudes cardeais. Tive a sorte de ter uma escola pública de qualidade. Li muito a vida inteira. Isso me deu bagagem para “ler” e interpretar essas experiências de forma integral, imagino. Percebi não era diferente de meus colegas europeus. Eles tinham um lustro a mais em alguns pontos (história, por exemplo), e obviamente mais dinheiro, mais acesso a oportunidades. Mas logo percebi que o sentimento de inferioridade que nos “assombra” não se justifica.

Suas origens italianas marcam suas preferências ou a diversidade cultural com a qual conviveu e convive trazem para o seu dia a dia gostos na literatura, na gastronomia e na música, por exemplo?

Na gastronomia, experimentei tudo o que pude. Não consegui apreciar a comida coreana, por exemplo, mas gostei muito da indiana. Mas, no fim das contas, a culinária italiana é para mim a melhor. Em São Bernardo, onde a colônia italiana era predominante em meus tempos de garoto, havia a chamada “Rota do Frango com Polenta”, onde em uma longa avenida enfileiravam-se dezenas de restaurantes familiares, alguns gigantescos, para duas mil pessoas, onde minha família almoçava risoto de miúdos e frango a passarinho, mais polenta frita, religiosamente, todos os domingos. Esse ainda é um de meus pratos favoritos. Acho a relação dos italianos com a comida especial, diferenciada. São muitas as referências que vêm de dentro de casa. Tenho memórias afetivas a esse respeito, como uma cena em que minha mãe, minhas tias e minha avó, trabalhando em time, produziam macarrão caseiro na cozinha de casa. Ou daquele tio que produzia seu próprio vinho na garagem.

Em termos de música, os Beatles me pegaram quando eu tinha seis anos e, em consequência, sou muito mais rock’n’roll que MPB. Hoje, estacionei em clássicos como Beatles, Stones, Pink Floyd, Led Zeppelin, Queen, a turma do “RVRB”, que quer dizer “rock velho é rock bom”. Sou muito ligado no U2, que trazem uma forte carga religiosa, que embora não combine com o meu pensamento presente, remete muito ao meu passado de coroinha, cantor de coro de igreja, época em que vivi dentro de um ambiente de fortes referencias visuais cristãs. Mas se for para apontar os ídolos, eles são Lennon e Bob Dylan.

Desde  criança fui rodeado de livros em casa e sempre li muito. Leio de tudo. Sempre tenho um livro ao alcance da mão. Hoje, me concentro muito em ensaios, história, antropologia. Nos romances, que visito muito ocasionalmente, recorro principalmente aos ingleses e americanos. Na pintura, desde sempre, fui conquistado pelos impressionistas de todas as nacionalidades, Van Gogh em particular, pela violência e beleza das cores. No cinema, gosto do italiano Fellini, gosto dos americanos Coppola, Scorsese e Spielberg. E não perco um filme do francês Jean Luc Bresson, que fez “O Profissional”, “O Quinto Elemento” e, mais recentemente, “Lucy”. Acho-o muito inteligente.

Por favor, cite um lugar que sempre gostará de ir.

Para morar, Londres. Desde que retornei ao Brasil, em 1992, já voltei para lá umas seis ou sete vezes, e aquela cidade continua exercendo sobre mim um gigantesco fascínio, seja pelas lembranças (meu filho nasceu lá, por exemplo), seja pelas características da própria cidade. A arquitetura, os parques, o metrô, as livrarias. Há três anos, visitei Berlin e fiquei deslumbrado com a modernidade e beleza da cidade, tão carregada de história. Me surpreendi com Praga, que parece um estúdio de cinema. Na Itália, Roma é fora de série e Gênova e toda a Costa Amalfitana é sem explicação. Buenos Aires, aqui perto, é uma cidade linda, dá inveja de verdade. Recentemente, comecei a flertar com aventuras um pouco fora do padrão. Tenho pensado muito em visitar a Islândia, a terra dos vulcões.

Agora, indique para um jovem turista dicas para apreciar no Brasil e no exterior.

Sou um animal urbano, então a maioria das minhas dicas são de cidades. Vou sugerir uma ou duas atrações de cada local. Há muita coisa bonita no Brasil, mas sempre que vou a São Paulo me surpreendo com a amplitude e a variedade da cidade. Sugiro um tour pelo Teatro Municipal, com chá no restaurante do local, ou um passeio pelo bairro japonês Liberdade. Em Londres, entre milhares de opções, o pequenino National Portrait Gallery, uma aula de como se organiza um museu, com fotografias, esculturas e quadros de personalidades famosas da Grã-Bretanha. Ou então, o instrutivo Victoria & Albert Museum, dedicado aos costumes (roupas, móveis, essas coisas). Em Paris, sempre vou à Shakespeare & Co, uma livraria saída dos livros do Harry Potter, e ainda o surpreendente Museu da Idade Média. Em Gênova, visite o Caruggi, o bairro medieval mais bem conservado da Europa. Se quiser uma experiência outdoor, alugue um carro e vá para a Escócia, que é um outro planeta.


Piquini em seu escritório de BH

O mundo torna-se sem fronteiras para um homem como você, que domina quatro idiomas?

Falar idiomas ajuda nossa movimentação geográfica, sem dúvida. O inglês e o espanhol são línguas universais e com elas a gente viaja por todo o mundo, especialmente o Ocidente, sem problemas. Mas os idiomas nos ajudam também a ampliar as fronteiras da mente. É como uma “chave” para um outro nível de descobertas. Podemos conversar com pessoas de outras nacionalidades e assim entendê-las melhor. Conseguimos interpretar a cultura de um lugar de uma forma mais abrangente. E tem outra coisa: ao aprender outra língua, a gente consegue processar o português em um outro nível de compreensão e podemos então compreender o quanto a língua portuguesa é maravilhosa. Falamos de um jeito único no mundo. Quando falamos outras línguas, passamos a dar mais valor à nossa própria língua.

O que viver fora do Brasil lhe ensinou?

Quando a gente viaja para morar fora, longe da rede de segurança de que dispomos na forma da família, amigos, conhecimento da cultura, língua, quando ficamos realmente sós, como foi o caso quando eu e minha mulher saímos do Brasil em 1985, a gente encontra uma coisa muito importante: descobrimos a nós mesmos. Se você tem a cabeça no lugar, depender de si próprio para resolver todos os problemas pode ser uma epifania. Quem for atento, e tiver um pouquinho de capacidade de autoanálise, vai entender quais são seus pontos fracos e seus pontos fortes. Vamos rapidamente descobrir aquilo que não sabemos fazer e aquilo que fazemos bem. Nossas forças e nossas fraquezas. Isso nos permite uma medida e uma comparação para que nossa centralidade seja estabelecida. A gente fica mais forte ao descobrir que temos recursos para empregar diante das dificuldades e reservas de determinação dentro da gente mesmo. Quando saí do Brasil era uma pessoa, quando voltei era outra completamente diferente. Ainda incompleto, ainda aprendendo, ciente de minhas limitações, mas muito confiante em minha capacidade de cuidar de mim mesmo. Aumentei as minhas chances de realizações e pude aproveitá-las.

De tudo o que já viu, ouviu e viveu, o que mais empresta sentido à vida?

Com relação a isso, gosto da abordagem feita por Viktor Frankl, um neuropsiquiatra austríaco, sobrevivente dos campos de concentração. Ele sugere que ao contrário de nos perguntarmos qual o sentido da vida, fica mais fácil responder quando invertemos a pergunta: o que a vida espera de nós? Assim, tiramos de nossa frente a pergunta para a qual não existe resposta e nos voltamos para dentro de nós, onde vamos buscar aquilo que podemos oferecer à vida, às pessoas que amamos, à sociedade em que estamos inseridos. A resposta, assim, é individual, dentro de nossos limites de conhecimento e de recursos. Parece redutivo, mas é libertador.

Ao lado disso, ajuda muito quando uma pessoa se apoia na integridade de seus valores. Quando sabemos quais são os nossos valores (aquelas coisas das quais conscientemente não abrimos mão), fica mais fácil tomar decisões diante dos questionamentos do destino, mesmo nos momentos mais difíceis. São nossos nortes morais e de comportamento. Com eles, as decisões ficam mais fáceis, mesmo que essas decisões gerem consequências nem sempre agradáveis. É a paz interior. Viver fica mais fácil.

Piquini,  preciso de sua biografia, assim como de sua foto e de lugares que gostará de ver inseridas na matéria, por favor. Muito obrigado!

Por Caio Pacheco – Terra das Gerais

Categories: Cidades, Destaque, Sete Lagoas

Sobre o autor

COMENTÁRIOS